02/05/2025 strategic-culture.su  9min 🇸🇹 #276708

 «Blackout» en Espagne, au Portugal et dans certaines parties de la France

Quando o liberalismo provocou o apagão de abril em Portugal

🇬🇧

Hugo Dionísio

Impõe-se a recuperação da nossa independência nacional, da nossa liberdade como povo e nação mais antiga da Europa.

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Na manhã de segunda-feira, um apagão generalizado atingiu o sul da Europa, afectando Portugal, Espanha e partes do sul de França. Nas primeiras horas não cessaram de surgir fake-news sobre supostos ataques cibernéticos, com a Federação Russa no centro das atenções, como  não poderia deixar de ser. À hora em que escrevo este artigo ninguém sabe como sucedeu tal apagão, mas existem conclusões que se podem retirar desde logo: os níveis de resiliência e redundância da rede ibérica deixam muito a desejar e colocam a nu a enorme fragilidade de um sistema estratégico para o interesse nacional das populações abrangidas.

Fosse o sistema eléctrico ucraniano tão resiliente como o que abastece a Península Ibérica e há muito que a Federação russa haveria desligado a luz aquele país. E não o conseguiu porquê? Porque a URSS lá deixou um sistema energético capaz de fazer a inveja a qualquer economia "avançada" da União Europeia. Centrais de todo o tipo formam uma máquina de guerra cheia de redundâncias, extremamente difícil de desligar. Na EU, centrais como essas desligam-se todos os dias, nomeadamente em Portugal (desligaram-se centrais termoeléctricas de Sines e do Pego), fecharam-se refinarias e para quê? Para abrir a carvão na Alemanha e comprar electricidade à Espanha. Foi um negócio fantástico, que permite lucros fabulosos à EDP.

Depois de um investimento brutal pago pelo povo português em energias renováveis, eis que descobrimos que a nossa energia é vendida para fora e compramos a de fora cá para dentro. Para quê? Para o povo e as empresas comprarem energia mais barata? Não! Para a EDP, a REN, antes públicas e agora privadas, fecharem os trimestres com lucros fabulosos. Serviços mínimos, lucros máximos. Não sendo especialista nesta área, não existem, contudo, grandes segredos sobre o funcionamento corporativo privado. Comprar o mais barato e vender o mais caro possível, mesmo que tal implique sujeitar toda uma população aos prazeres dos "mercados" e à vulnerabilidade do "curto-prazismo". A desindustrializão dos EUA responde bem a quem o duvide.

Embora breve, o episódio escancarou uma crise estrutural pouco debatida: as consequências da privatização e liberalização dos sistemas eléctricos nacionais sob o guarda-chuva da União Europeia (UE). Sob o pretexto das "imposições" europeias, Portugal segmentou (separou a produção da distribuição e comercialização) com base numa suposta concorrência que nunca chegou, privatizou e liberalizou. Para as empresas privatizadas e vendidas ao capital estrangeiro foi uma lotaria, para o povo português, que antes tinha das energias mais baratas de toda a EU, mesmo não sendo dos que paga mais, passou a 10.º mais caro, na decomposição anual do preço doméstico, de acordo com a ERSE. O facto é que desde que a Comissão Europeia, hoje chefiada pela incontronável Ursula von der Leyen, a sua propaganda de que quer energia barata para os europeus, foi acompanhada, em quantidade, pelo aumento do preço dessa mesma energia.

Devemos questionar-nos sobre o seguinte. Quando vemos esta gente de dentes arreganhados contra a Federação Russa, querendo armar-se até aos dentes, para "colocarem no lugar" Vladimir Putin, quanto será que demoraria a uma potência militar como a que está ao serviço do Kremlin em deixar-nos a viver na idade da pedra? Uns minutos? Bastaria uma qualquer arma que provocasse um impulso repentino? Interessante, não é? Para quem tanto quer que os ucranianos morram para defender "os valores europeus".

A forma como o colapso ocorreu revela vulnerabilidades sistémicas profundas. Num momento crítico de variação na carga da rede, o sistema não conseguiu disponibilizar a potência necessária para manter a estabilidade (lá está, a falta de redundância e resiliência, tudo a trabalhar em mínimos, sob a corda bamba dos lucros do trimestre), resultando num desligamento em cascata. A análise inicial da Red Eléctrica de España (REE) indica que a interconexão entre os países ibéricos foi um factor determinante - especificamente, a dependência de Portugal em relação ao fornecimento proveniente da Espanha no momento do incidente. Mais se acrescenta que, não estamos a salvo de tal  voltar a acontecer, como sucede nos países subdesenvolvidos e nos que fazem do liberalismo um fanatismo, como os EUA, especialmente no Texas. A lógica do mercado leva as operadoras nacionais a desligarem fornecimentos internos para comprar energia mais barata no exterior, agravando a vulnerabilidade em situações de emergência. No momento do apagão, Portugal estava a importar eletricidade de Espanha e não conseguiu repor  o fornecimento de imediato.

A verdade é que este se trata de um modelo orientado para o lucro, não para a segurança e, menos ainda para energia acessível para famílias e empresas. Todos ouvimos a direita empedernida, os liberais ideológicos do século XVII, atacarem os impostos (lá está, fomentando o estão mínimo) e os "custos do trabalho". Nunca, mas mesmo nunca, os ouvimos falar da vergonha criminosa que foram as privatizações dos sectores estratégicos, em especial o da energia eléctrica, com gravíssimos danos para a economia nacional. Não é por acaso que EUA e EU têm dos preços mais caros de electricidade. Não é preciso ser génio para perceber porquê.

Este cenário traz luz a uma realidade cada vez mais evidente: 'que os sistemas liberalizados tendem a operar com margens mínimas, eliminando redundâncias consideradas dispendiosas. Em termos técnicos, isso significa menor capacidade de resposta em situações de crise, ou seja, tudo funciona bem, quando tudo está alinhado, mas quando surge um acidente... Isto vale para a energia eléctrica, como para a Banca, aviação, correios, telecomunicações, entre outras. Não será por acaso que a única rede móvel que se aguentou perante o apagão foi a da empresa (a MEO) que sobrou da privatização da antiga Portugal Telecom, ainda do tempo em que estas coisas importantes eram de todos e funcionavam para todos. As que já são do tempo da "liberalização mercantil", nem um espirro aguentaram. Um simples apagão de umas horas e todos ficaram sem comunicar. Para quem anda pelo mundo a praticar bullying e a falar grosso, deveriam preocupar-se mais com a sua própria casa.

Como defendido por  muitos autores o modelo liberalizado e privatizado do sector eléctrico europeu foi "pensado" para aumentar a eficiência e baixar custos, mas, na prática, tende a operar com margens mínimas de redundância, no fio da navalha, portanto.

Isto significa menos capacidade de resposta rápida a falhas graves, uma vez que as empresas privadas procuram maximizar lucros reduzindo investimentos em reservas e infra-estruturas redundantes. Ora, como eu gosto mais de partir da matéria para a teoria e não o contrário, se o objectivo era baixar os preços, mas eles aumentaram, se os lucros aumentaram ainda mais, se tudo continuou a ser feito, apesar das lições que se iam tirando da prática, só me resta concluir que a intenção foi, apenas e tão só, a de entregar ao privado os lucros que eram de todos. Isto, por mais teorias e idealismos que se construam. Quando um fenómeno é observado de forma reiterada e se torna tão previsível que pode ser extrapolado para a generalidade das situações, então é porque as teorias não aderem à prática. E a teoria liberal é uma delas. É uma fantasia dos tempos pueris da economia.

Daí que nos venha à cabeça a questão essencial: e a nossa independência energética? É assim tão fácil deixar um país como Portugal a pão e água? Se os moinhos e fornos não forem eléctricos e a água canalizada? É assim tão fácil aos nossos parceiros europeus deixarem o país às escuras? Parece que sim. Agora percebemos melhor porque razão Victor Orban e Robert Fico não quiseram ficar nas mãos de Von Der Leyen e preferiram continuar a comprar gás à Rússia. Tivessem-no feito e já hoje não estariam no poder. Eis o independente e soberano que Portugal é! E quem são os responsáveis por tal traição? Quem é que decidiu que, a determinada altura, a nossa Constituição da República seria trocada pelas directivas de Bruxelas?

O facto é que a liberalização do mercado energético europeu permite às operadoras adquirirem energia no exterior sempre que economicamente vantajoso. No entanto, essa interdependência gera riscos estratégicos importantes, pois quando ocorre uma falha nos circuitos transfronteiriços, como aconteceu recentemente, países como Portugal ficam particularmente expostos, dada a baixa capacidade de produção nacional em momentos críticos, pois tendo em conta as palavras do responsável da REN (Rede Eléctrica Nacional), a produção nacional só é ligada quando se consome a energia nacional ou, quando esta é exportada. Assim, liga e desliga, aos soluços, deixando-nos vulneráveis aos apetites externos, de amigos e inimigos.

Entre os principais responsáveis por este "apagão de Abril" estão os de sempre. O apagão eléctrico de Abril, não é apenas um apagão eléctrico. Depois de tudo o que aconteceu antes e durante as comemorações do 51.º aniversário da Revolução Portuguesa que nos libertou do fascismo (anulação das comemorações oficiais; grupo de extrema-direita infiltra-se entre manifestantes e agride-os inesperada e brutalmente; o governo português censurou do Relatório Nacional de Segurança Interna o perigo da radicalização adolescente por grupos de extrema direita), podemos mesmo dizer que este apagão com origem "liberal" bem demonstra que o liberalismo está a apagar, não apenas a luz, mas também os valores de Abril. Sendo que um deles, o mais importante de todos, para a nossa liberdade colectiva, consiste na Soberania Nacional.

Sem soberania energética, a nossa soberania nacional está fortemente ameaçada. Quando ouvimos Pedro Sanchez, Primeiro Ministro de Espanha, querer discutir o assunto até às ultimas consequências, só podemos questionar uma qcoisa: comos erá que demorou tanto tempo a constatar o perigo em que vivemos?

Faça-se a justiça ao único partido que  denunciou esta situação em todo Portugal, o PCP: "A sujeição a um contexto de dependência externa e de mercado liberalizado constitui um fator de insegurança para o país. Tudo isto reclama a inversão da política de abdicação nacional sobre os setores estratégicos e a garantia de um funcionamento articulado, coerente e eficaz do sistema elétrico nacional.".

Houve um outro que referiu a necessidade de se discutir o problema da propriedade pública dos sectores que determinam a nossa soberania energética, o BE, mas fê-lo sem nunca atacar o mal essencial: é que se hoje o sector energético português está entregue à rapina, a origem do problema chama-se União Europeia e a sua agenda neoliberal. Quando falarmos de algo, devemos fazê-lo até às últimas consequências e atacando os problemas de fundo. Porque este é daqueles problemas que pode matar ou salvar vidas. Ontem matou!

E com ele deveriam ter morrido as ilusões de quem vê alguma salvação nestas agendas belicistas, neoliberais e irresponsáveis da EU. Como demonstra a experiência, estando cá gente como Milei para o demonstrar, no fim da linha do liberalismo está o fascismo, a violência e a miséria.

Neste momento impõe-se uma tarefa ainda mais importante do que a da segurança energética. Impõe-se a recuperação da nossa independência nacional, da nossa liberdade como povo e nação mais antiga da Europa. O que não significa viver sem à parte dos outros. Antes, significa viver com eles, de peito cheio e cabeça erguida!

É hora de dizer não ao apagão de Abril.

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